O exame neurológico constitui a parte mais importante da avaliação clínica do paciente neurológico. É realizado no animal acordado e com o dono presente. O exame neurológico é composto pelo exame do estado mental, do comportamento, da postura, da capacidade locomotora, das reacções posturais, dos nervos cranianos, dos reflexos espinhais e da percepção da dor. O exame neurológico deverá ser sempre realizado paulatinamente e num ambiente agradável, sem causar stress desnecessário ao animal. É preferível não utilizar açaime durante o exame. Os objectivos do exame neurológico são os seguintes:
- definir se o problema do animal é ou não neurológico
- definir que parte do sistema nervoso se encontra afectada
- elaborar uma lista das eventuais doenças capazes de causar a condição
- realizar um plano de trabalho de diagnóstico, de modo a confirmar o diagnóstico
Exame do estado mental
A consciência (estado mental) é o estado de estar consciente. Pode ser descrita com um estado de receptividade do cérebro às impressões causadas pelos sentidos. A consciência é mantida por meio de impulsos permanentes oriundos da formação reticular (tronco cerebral) para o córtex cerebral. A diminuição da consciência é normalmente causada pela quebra das ligações entre a formação reticular e o córtex cerebral e, portanto, está sempre relacionada com um funcionamento anormal do cérebro. Não obstante, a causa desta perturbação pode ser tanto intra como extra-craniana. O estado mental pode ser normal, deprimido (letárgico, sonolento), estuporado (sonolento, mas pode ser despertado mediante estimulação acentuada) e comatoso (sonolento, mas sem poder ser despertado através de estimulação acentuada).
Exame comportamental
O comportamento é a forma como o animal se comporta. A avaliação do comportamento é utilizada clinicamente como uma medida da actividade cerebral. Em pequenos animais de companhia é grandemente influenciado pelo ambiente em que o animal vive e treina, pelo que deverá ser sempre avaliado cuidadosamente. A fisiologia do comportamento é complexa e envolve interacção de várias partes do cérebro, pode ser grosso modo localizada no sistema límbico. Todavia, a complexidade do comportamento animal resulta da integração dos padrões comportamentais hereditários, da percepção sensorial do mundo exterior e dos centros reguladores (sistema límbico e córtex cerebral). Os comportamentos anormais podem incluir agressão, medo, distanciamento, desorientação, bocejar, pressão da cabeça, andar compulsivo, andar em círculos e “olhar para as nuvens”. As alterações comportamentais puras sem quaisquer défices neuronais são raramente causados por uma doença cerebral.
Exame da postura
A postura normal do animal é o resultado da interacção de diferentes sistemas funcionais do tecido nervoso: os neurónios motores no cérebro e a medula espinal, o sistema do equilíbrio, o sistema visual, o sistema proprioceptivo e os músculos. Uma doença em qualquer deles pode causar uma anomalia na postura. Durante a avaliação da postura do cão ou do gato, é importante notar a posição da cabeça, das costas, dos membros e da cauda. As anomalias mais frequentes na postura da cabeça são a oscilação da cabeça, a rotação da cabeça e a ventroflexão (para baixo) ou dorsoflexão (para cima) da cabeça. As posturas anormais das costas incluem a cifose (costas arqueadas para cima), a lordose (costas arqueadas para baixo) e a escoliose (desvio lateral das costas). As posturas anormais da cabeça indicam frequentemente problemas de equilíbrio ou doença cerebral e as doenças da coluna estão normalmente associadas à postura anormal das costas.
Exame da marcha
O exame da marcha é provavelmente o mais importante, embora constitua também a parte mais difícil da avaliação neurológica de cães e gatos. A marcha normal nos cães e gatos corresponde à marcha diagonal, o que significa que, simultaneamente, um membro anterior e o membro posterior correspondente suportam o peso, enquanto os outros dois membros se encontram na fase de balanço. Alguns animais poderão apresentar como padrão de marcha na passada (os membros anterior e posterior do mesmo lado suportam o peso e ambos os membros do lado oposto realizam a fase de balanço). A maioria das doenças neurológicas causam anomalias da marcha, embora também tal se verifique no caso de condições ortopédicas e até de medicina interna. Podem distinguir-se três anomalias na avaliação da marcha: coxear (claudicação), fraqueza (paresia) e falta de coordenação (ataxia). Muito frequentemente, as doenças neurológicas causam uma mistura de paresia e ataxia ou uma mistura de claudicação e paresia. Por outro lado, as doenças do sistema do equilíbrio e as doenças do cerebelo causam apenas um distúrbio puro da coordenação. O objectivo do exame da marcha consiste em definir que membros são afectados e que tipo de anomalia da marcha temos perante nós.
Exames das reacções posturais
O exame das reacções posturais é realizado após o exame da locomoção e ajuda o responsável pelo exame a visualizar melhor os défices que passaram despercebidos ou que não terão sido tão claros durante o exame da locomoção. Existem numerosas reacções posturais, mas a ideia comum na maioria das mesmas consiste em fazer o animal permanecer de pé, andar ou saltar apenas sobre um par de membros: hemiestação, hemimarcha, salto, teste do carrinho-de-mão, impulso postural extensor e outras reacções. A outra reacção postural importante que deve ser testada em todos os pacientes neurológicos é o posicionamento proprioceptivo (posicionamento visual e táctil). Esta reacção proporciona informação sobre o sistema proprioceptivo (o sistema que informa o cérebro sobre a posição das partes do corpo no espaço tridimensional) do paciente.
Exame dos nervos cranianos
Os nervos cranianos são 12 pares de nervos (12 de cada lado) que têm origem no cérebro. Estes nervos inervam as estruturas na cabeça, tais como os músculos da mastigação, da língua, da expressão facial, músculos das orelhas e dos olhos, além de proporcionarem o importante impulso sensorial para os sistemas olfactivo, visual, acústico, do equilíbrio e gustativo. Através do exame dos nervos cranianos é também possível avaliar a função do cérebro e das suas partes mais importantes (cérebro, tronco cerebral e cerebelo). Com muita frequência, as doenças do cérebro causam anomalias nos nervos cranianos, sendo possível afirmar que a maioria delas ocorre no tronco cerebral nos cães e gatos.
Exame dos reflexos espinhais
O exame dos reflexos espinhais é normalmente realizado no final do exame neurológico. O paciente é posicionado deitado de lado e os reflexos dos membros posteriores são examinados normalmente em primeiro lugar, seguidos pelos reflexos dos membros anteriores. Os reflexos nos membros posteriores são o patelar, o tibial cranial e o reflexo flexor de retirada. Os dois reflexos mais fiáveis nos membros anteriores incluem o reflexo extensor radial do carpo e o reflexo flexor. Os reflexos podem ser normais, diminuídos, ausentes ou exacerbados. O objectivo principal do exame dos reflexos espinhais reside na definição da localização precisa de lesão no sistema nervoso periférico ou na medula espinal.
Exame de percepção da dor
Trata-se definitivamente da última parte do exame neurológico, em que o impulso da dor é aplicado e a reacção do paciente é observada. A percepção da dor superficial é avaliada pinçando uma prega de pele e a percepção da dor profunda é testada através de uma pressão curta e forte do dedo de um membro posterior. A percepção da dor fornece informação relativa à integridade do sistema sensorial e, nalguns casos, constitui um importante sinal de prognóstico em pacientes com sinais de paralisia.